OLHAR ESPISCOPAL - DOM MILTON - II



OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 17
SAÚDE PARA TODOS
Por dom Milton Kenan Júnior
"Que a saúde se difunda sobre a terra" (Eclo 38,8)
"A saúde é direito de todos e dever do Estado..."
(Constituição Federal do Brasil de 1988)
A Igreja do Brasil, mais uma vez em sintonia com o espírito penitencial do Tempo da Quaresma, realiza a Campanha da Fraternidade (CF), esforçando-se por dar à penitência e ao esforço quaresmal uma dimensão concreta, ao chamar a atenção das comunidades cristãs católicas a algum aspecto da realidade do povo brasileiro que merece maior cuidado e um esforço conjunto para a solução dos seus problemas e a superação dos seus desafios.
Neste ano, a Campanha da Fraternidade tem como tema: "Fraternidade e Saúde Pública"; e lema: "Que a saúde se difunda sobre a terra" (cf. Eclo 38,8). À primeira vista, esse tema parece repetir o da Campanha da Fraternidade de 1981: "Fraternidade e Saúde - Saúde para todos".
Na verdade, o tema deste ano avança na abordagem da questão da saúde. Partindo do princípio de que a ação de Jesus foi de gerar vida em abundância (Jo 10,10), e de que a salvação conquistada por Ele é também sinônimo de vida saudável, saúde integral e bem estar para todos; deparamo-nos com uma realidade bastante difícil que nos desafia a todos.
Falando da vida saudável como sinônimo de saúde, o Texto-Base da CF relembra que: "A vida saudável requer harmonia entre corpo e espírito, entre pessoa e ambiente, entre personalidade e responsabilidade." (n. 15). Não se trata, portanto, apenas de garantir recursos e incrementar os equipamentos da saúde, mas de desencadear um processo que leve as pessoas desde a defesa e promoção dos seus direitos a tratamento adequado, até a tomada de consciência da importância de cuidar da vida e cultivar a saúde através da prevenção cuidadosa às doenças e da participação daqueles espaços criados para salvaguardar o acesso de todos à vida com qualidade.
O Texto-Base da CF-2012 chama nossa atenção para as grandes preocupações na saúde pública no Brasil, alertando para as "doenças crônicas não transmissíveis (doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, cânceres, doenças renais crônicas e outras); doenças transmissíveis (AIDS, tuberculose, influenzae ou gripe, dengue ou outras); fatores comportamentais de risco modificáveis (tabagismo, dislipidemias por consumo excessivo de gorduras saturadas de origem animal, obesidade, ingestão insuficiente de frutas e hortaliças, inatividade física e sedentarismo); dependência química e uso crescente e disseminado de drogas lícitas e ilícitas (álcool, crack, oxi e outras); causas externas (acidentes e violências)." (n. 65).
Essas doenças são responsáveis por um alto índice de mortes ocorridas, hoje, no mundo; que, portanto, podem ser evitadas com programas de prevenção, ou iniciativas pessoais e comunitárias.
A temática da CF-2012 obriga-nos, ainda, a refletir sobre a importância e a necessidade de conhecimento mais aprofundado sobre o SUS (Sistema Único de Saúde). Inspirado em belos princípios como a proposta de atender a todos, indiscriminadamente, ele ainda não conseguiu ser implantado e, está longe de atingir os seus objetivos.
Um dos aspectos que dificulta ao SUS atender às necessidades das populações, está ainda na pouca participação da população aos processos de tomada de decisão, ou seja, o distanciamento e a falta de informação das pessoas sobre a importância de participar das instâncias colegiadas do SUS (Conselhos e Conferências de Saúde), cujo objetivo é manter o controle social sobre o próprio SUS. (cf. n. 115).
Merece nossa atenção a importância de formar e estimular as pessoas para participar dos conselhos e conferências de saúde que são "espaços de participação democrática por meio dos quais se pode avançar na melhoria dos serviços públicos. Os conselhos têm caráter deliberativo e a função de exercer o papel de formulação, acompanhamento e controle permanente das ações do governo em seus três níveis." (n. 116).
Em nosso país, os recursos destinados à saúde atingem 15% da arrecadação municipal e 12% da estadual. Somados aos recursos provenientes da esfera federal, "têm obrigatoriamente que ser administrados com a participação popular", para "evitar práticas de corrupção ou o uso dos cargos de administração pública como moeda eleitoral, que normalmente alça a tais cargos, pessoas despreparadas para uma área de vital importância para a população." (n. 118).
Não deixa de preocupar o fato de muitos governantes não destinarem nem o mínimo do investimento na saúde, gerando um arriscado e perigoso subfinanciamento na saúde pública.
Essa realidade, marcada por sombras e luzes, possibilidades e entraves, está a exigir das comunidades cristãs uma ação conjunta para poder ser conformada à vontade do Criador que quer que a saúde se estenda sobre toda a terra (cf. Eclo 38,8).
Ao tratar da saúde, o autor do livro do Eclesiástico, inspirado por Deus, sugere que o "mais importante que curar é o trabalho de evitar que as pessoas adoeçam e promove-las para que tenham vida em abundância. Realidade que o ditado popular consagrou: ‘é melhor prevenir que remediar’." (n. 158).
Além do mais, na compreensão do autor sagrado, é Deus quem providencia os bens e recursos e suscita pessoas capazes de cuidar da saúde e superar as doenças. Deus é parceiro das suas criaturas no combate e na superação da enfermidade; pois é Ele, o Criador, que favorece as conquistas alcançadas pela inteligência humana na promoção da vida e na garantia de saúde para todos.
Muitas são as iniciativas que podem surgir da Campanha da Fraternidade pessoal e comunitariamente: o cuidado de cada um com a própria saúde, como a higiene pessoal e a assimilação de hábitos saudáveis; a conscientização dos direitos das pessoas à vida saudável, saúde equilibrada e bem estar; a participação efetiva da comunidade nos conselhos e conferências de saúde; a atenção pessoal aos que sofrem nos próprios lares, na vizinhança; e a participação na Pastoral da Saúde.
Acolher o convite da CF-2012, "Fraternidade e Saúde Pública", é dar ao nosso esforço de conversão pessoal e comunitária uma fisionomia nova, marcada pela esperança, na defesa e promoção da vida. Vamos todos participar!
Dom Milton Kenan           Junior                                                                                                                                             Bispo Auxiliar de São Paulo                                                                                                          Blog - http://kenanepiscopal.blogspot.com

 OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 16
VO NATAL

Por dom Milton Kenan Junior
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Para alguns pode parecer que a cada ano, os cristãos repetem os mesmos ritos, para relembrar um fato a primeira vista tão antigo, mas ao mesmo tempo tão novo, o nascimento do Emanuel, Deus conosco, Jesus de Nazaré, o Salvador!

Na verdade, não vivemos de uma recordação. Por incrível que pareça, a cada ano revivemos o que ocorreu no meio da noite, tornamo-nos contemporâneos, podemos aproximar-nos deste Menino na companhia dos pastores, alegrando-nos com José e Maria, sussurrando palavras cheias de emoção e alegria, pela chegada de Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem!

A alegria deste fato que se irradia pelos séculos e que nos alcança hoje, no início de um Novo Milênio é o fato de que podemos ver a Deus! Deus tornou-se visível aos nossos olhos, Ele nos revelou a sua face, Ele deixou-nos penetrar no seu mistério insondável. Podemos, como os pastores e os magos do Oriente, que retornaram exultantes para suas casas, dizer a todos que nós vemos o Senhor! Podemos ver a face humana de Deus numa criança pequenina, recém-nascida, colocada sobre um presépio, que não tem para se aquecer senão algumas faixas e o hálito dos animais. Deus se fez um de nós!

Mas, se grande alegria é poder ver o Senhor, não é menor a de poder ouvi-lo, pois “a Palavra eterna fez-se pequena; tão pequena, que cabe numa manjedoura. Fez-se criança, para que a Palavra possa ser compreendida por nós.” (Bento XVI, Verbum Domini, 12). Cada vez que abrimos o Evangelho, revivendo os fatos e acolhendo as palavras, como um personagem a mais nas cenas, deixamos que a Palavra que se revelou no Natal ressoe em nossos corações!

Não só vê-lo, nem só ouvi-lo, mas podemos tocá-lo também. Podemos aconchegá-lo na palma de nossas mãos, quando as estendemos para recebê-lo na Santa Eucaristia, “pão que é dado para a vida do mundo”. Se Belém é a “Casa do Pão”, cada Eucaristia é Natal; pois o Deus que se fez tão pequenino na manjedoura agora se faz nossa comida e nossa bebida, pão de vida eterna para nós!

Podemos hoje reviver o Natal! Também no irmão com que nos encontramos em nosso dia-a-dia, podemos nos encontrar com o Menino nascido no Natal: “Não te angusties dizendo: “Por que nenhuma pessoa em Belém quis receber com afeto o Menino e sua Mãe? Não te aflijas porque, se receberes o pobre, recebes o Menino e sua Mãe; e se de verdade acreditas nisto, andarás mais solícito em procurar o pobre que está nesta rua, e disputarás aos outros a ocasião de fazer o bem que puderes... não vos contenteis com dar umas moedas ou algo mais, mas dai esmolas em quantidade, pois é exatamente assim que Deus vos dá tantas coisas. Não sejais mesquinhos à hora de dar, já que Deus é tão generoso em dar-vos. Não deis moedinhas por Deus, já que Deus vos dá o seu Filho. Dai esmolas para bem receber Cristo neste Natal. Irmãos, esse que vem é amigo da misericórdia; que Ele vos encontre misericordiosos.” (S. João de Ávila).

Natal: tempo de deixar-nos tocar por Deus que tão pequenino na manjedoura nos ajuda a superar a distância, e vencer o medo, alegrar-nos com o Amor que se torna realidade entre nós.

Feliz Natal!
 
Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia
Blog - http://kenanepiscopal.blogspot.com


OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 15
LEIGOS E LEIGAS NO PROTAGONISMO DA EVANGELIZAÇÃO

Por dom Milton Kenan Junior


A expressão não é nova, ela surge na Conferência de Santo Domingo (1992): “Que todos os leigos sejam protagonistas da Nova Evangelização, da promoção humana e da cultura cristã.” (n.97) (...) “Um laicato, bem-estruturado com formação permanente, maduro e comprometido, é o sinal de Igrejas Particulares que têm tomado muito a sério o compromisso da Nova Evangelização.” (n.103).

Hoje, talvez, precisássemos recuperar a intuição que o Episcopado Latino-americano assumiu, na Conferência de Santo Domingo, quando fala do “protagonismo dos leigos”; embora na Conferência de Aparecida essa expressão não apareça nenhuma vez. Falar de protagonismo, é falar do lugar de importância que os leigos têm na ação evangelizadora, é falar do seu papel insubstituível, imprescindível, na transformação da realidade que vivemos, marcada pela exclusão e pela violência.

Os leigos são protagonistas, afirmaram os bispos em Santo Domingo, ou seja, são os agentes principais no esforço da Igreja em dialogar com o mundo e apresentar os valores do Evangelho num tempo de tantos contra-valores.

Nesse sentido, o Documento de Aparecida e agora o das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil, DGAE 2011-2015, ressaltam dois princípios de grande valor e importância.

O primeiro princípio é o da corresponsabilidade. Leigos e Leigas devem participar, como sujeitos, com vez e voz, na elaboração dos programas pastorais, nos centros de discussão e decisão nas Igrejas Particulares. Referindo-se ao projeto pastoral da Diocese, o Documento de Aparecida afirma: “Os leigos devem participar do discernimento, da tomada de decisões, do planejamento e da execução.” (n.371).  Não podem, portanto, verem reduzida a sua participação apenas ao momento de encaminhar e realizar os programas, mas sentirem-se participantes desde o início, por força da sua condição de cristão batizado, habilitado pelos sacramentos do Batismo e da Confirmação, a participar plenamente da vida da Igreja.

É ainda o Documento de Aparecida que esclarece: “A evangelização do Continente, dizia-nos o papa João Paulo II, não pode realizar-se hoje sem a colaboração dos fiéis leigos. Hão de ser parte ativa e criativa na elaboração e execução de projetos pastorais a favor da comunidade. Isso exige, da parte dos pastores, maior abertura de mentalidade para que entendam e acolham o “ser” e o “fazer” do leigo na Igreja, que por seu batismo e sua confirmação é discípulo e missionário de Jesus Cristo.” (n.213).

As DGAE 2011-2015 ressaltam: “Os leigos, corresponsáveis com o ministério ordenado, atuando nessas assembleias, conselhos e comissões, tornam-se cada vez mais envolvidos no planejamento, na execução e na avaliação de tudo que a comunidade vive e faz.” (n.104.c).

O segundo princípio é o da missão. Os Documentos do Episcopado Latino-americano afirmam exaustivamente que o campo específico da ação dos leigos e leigas é o das realidades onde vivem e trabalham, ou seja, é o mundo da família, do trabalho, da cultura, da política, do lazer, da arte, da comunicação, da universidade etc.

Em função disso, “a formação dos leigos e leigas deve contribuir, antes de mais nada, para sua atuação como discípulos missionários no mundo, na perspectiva do diálogo e da transformação da sociedade. É urgente uma formação específica para que possam ter incidência significativa nos diferentes campos, sobretudo ‘no vasto mundo da política, da realidade social e da economia, como também da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos meios de comunicação e de outras realidades abertas à evangelização’ (EN 70).” (DAp 283).

As DGAE 2011-2015 incentivam a participação social e política dos cristãos leigos e leigas nos diversos níveis e instituições, nos Conselhos de Direitos, em campanhas e outras iniciativas que busquem efetivar a convivência pacífica, no fortalecimento da sociedade civil, e de controle social. Destaca também a participação na busca de políticas públicas que ofereçam as condições necessárias ao bem-estar de pessoas, famílias e povos; e a formação de pensadores e pessoas que estejam nos níveis de decisão evangelizando com especial atenção e empenho. (cf. n.115-117).

Entre os diversos espaços em que a presença dos leigos e leigas, hoje, é imprescindível destacam-se: o mundo universitário, o mundo da comunicação, e a presença pastoral junto dos políticos e formadores de opinião no mundo do trabalho, dirigentes sindicais e comunitários (n.117).

Há, portanto, no pensamento dos bispos latino-americanos e brasileiros uma condição e uma exigência para o protagonismo dos leigos. A condição é de que leigos e leigas possam ocupar o lugar que lhes cabe na vida das comunidades, sentindo-se, de fato, como sujeitos corresponsáveis na elaboração e realização de projetos e programas de evangelização. E a exigência é a sua atuação evangélica nas realidades onde vivem e atuam, para que à semelhança do fermento possam levedar toda realidade humana com a força do Evangelho.

Este é o grande desafio que hoje não só leigos e leigas enfrentam, mas todo o corpo eclesial: superar o conceito de leigo como inferior, subalterno e destinatário da ação evangelizadora; e formar leigos e leigas para que possam, nas realidades que lhe são específicas, agir como agentes eclesiais, discípulos missionários de Jesus Cristo.

Ao falar do protagonismo dos leigos é indispensável falar de verdadeira conversão pastoral, como é proposta pelo Documento de Aparecida, no espírito da comunhão e libertação (cf. n.368), ultrapassando uma pastoral de mera conversão para uma pastoral decididamente missionária (n.370). 

Oxalá leigos e leigas possam exercer seu protagonismo na vida de nossas comunidades eclesiais e assumirem com renovado entusiasmo sua missão nas realidades onde, na sua maioria e na maior parte do seu tempo, estão. Isso exige coragem! O Espírito de Deus certamente não lhes faltará!
 
Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia
Blog - http://kenanepiscopal.blogspot.com

OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 14
 
A PRIORIDADE DA ORAÇÃO

Por dom Milton Kenan Junior

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No final de mais um ano é justo perguntar-se sobre as metas atingidas, as dificuldades encontradas e o caminho percorrido e a percorrer para realizar os projetos e alcançar os objetivos que nos propomos.

É importante que este trabalho se faça a nível pessoal, ou seja, que cada um tenha a capacidade, ao aproximar-se do final de mais um ano, de se perguntar: Como vivi? O que tenho buscado? Quais os meios tenho utilizado para realizar os ideais da minha vida? Mas, é tão importante que este exercício seja feito também em nível comunitário, que cada comunidade se interrogue sobre sua caminhada, os objetivos pastorais que definiu e como os têm alcançado, os meios que utiliza para cumprir a sua missão etc.

Nesse sentido, será importante que nós nos interroguemos sobre as nossas motivações, ou seja, os princípios que norteiam nossa vida e nossa ação.

Dentro dessa perspectiva, penso que será oportuno nos perguntarmos sobre a qualidade de nosso relacionamento com Deus e, por consequência, de nossa oração.

No início do novo milênio, o Beato João Paulo II, na sua “Carta Novo Millennio Ineunte” (No início do Novo Milênio) propunha à Igreja no limiar do novo milênio a “pedagogia da santidade”, como também falou da “arte da oração”. Assim se expressava o Beato João Paulo II: “Não será porventura um ‘sinal dos tempos’ que se verifique hoje, não obstante os vastos processos de secularização, uma generalizada exigência de espiritualidade, que em grande parte se exprime precisamente numa renovada carência de oração?” (n. 33).

Mais adiante, na mesma carta, o Beato João Paulo II diz que se não se considera o primado da graça, a necessidade da oração, “não nos podemos maravilhar se os projetos pastorais se destinam a falir e deixam na alma um deprimente sentido de frustração. Repete-se então conosco aquela experiência dos discípulos narrada no episódio evangélico da pesca milagrosa: ‘Trabalhamos durante toda a noite e nada apanhamos’ (Lc 5,5). Esse é o momento da fé, da oração, do diálogo com Deus, para abrir o coração à onda da graça e deixar a palavra de Cristo passar por nós com toda a sua força: Duc in altum!” (n.38).

Como se vê, o que dá sustentação e garante a “eficácia” de nossas iniciativas não são apenas os projetos que elaboramos, os recursos que dispomos, os meios que utilizamos, mas, sobretudo, o tempo que dedicamos à oração, à escuta da Palavra, a meditação que fazemos do Evangelho e sua aplicação na nossa vida.

Hoje, certamente para muitos, Jesus continua a fazer a mesma censura que fez a Marta que o hospedara em sua casa: “Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada”. (Lc 10, 41-42)

O que fez Maria? O que ela escolheu? Escolheu permanecer aos pés do Mestre, escutando-o, deixando-se iluminar pela sua Palavra, para a partir daí dedicar-se de corpo e alma aos seus afazeres.

Semelhante foi também a experiência dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35). Retornavam transtornados de Jerusalém; estavam aflitos, abatidos, frustrados e cansados. Bastou o Senhor aproximar-se deles e dirigir-lhes sua Palavra e seus corações ardiam e, reconhecendo Jesus no partir do pão, voltaram às pressas a Jerusalém, para anunciar aos apóstolos a alegria do encontro com Jesus Ressuscitado!

O Beato Papa João Paulo II ainda na Carta “Novo Millennio Ineunte”, observa: “Mas a oração, como bem sabemos, não se pode dar por suposta; é necessário aprender a rezar, voltando sempre de novo a conhecer essa arte dos próprios lábios do divino Mestre, como os primeiros discípulos: ‘Senhor, ensina-nos a orar’ (Lc 11,1). Na oração, desenrola-se aquele diálogo com Jesus que faz de nós seus amigos íntimos: ‘Permanecei em mim e eu permanecerei em vós’ (Jo 15,4). Essa reciprocidade constitui precisamente a substância, a alma da vida cristã, e é condição de toda a vida pastoral autêntica.” (n. 32).

Precisamos hoje aprender a “não dar por suposta” a oração, ou seja, convencer-nos que é sempre necessário aprender a rezar. Por mais que tenhamos avançado no caminho da intimidade com Deus, por mais que estejamos em contato com a Palavra de Deus, com os Sacramentos, a vida litúrgica e o ensinamento da Igreja, precisamos nos convencer que somos sempre aprendizes na oração; precisamos sempre reservar tempo, servir-se de uma boa leitura, dedicar-nos a oração silenciosa diante do Sacrário, para podermos fazer a experiência do encontro com o Senhor que fala no silêncio do coração.

Santa Teresa de Ávila, Doutora da Igreja nos caminhos da oração, afirmava: “Quando o coração reza, Deus atende!”. Desta afirmação se aprende que é preciso rezar com o coração, ou melhor, levar o coração à oração para que nossa oração seja autêntica e corresponda aos desígnios de Deus. Os salmistas são depois de Jesus os que melhor expressam isso para nós: diante de Deus não escondem suas aflições, suas lutas, sua pobreza e miséria, sua esperança ilimitada. Rezam o que vivem, e vivem o que rezam! Na oração, deixam o coração extravasar diante de Deus!

Diante da tentação daqueles que afirmam que a vida é oração, devemos responder que sem oração a vida se esvazia, e a fé se enfraquece; tudo seu reduz ao próprio esforço, correndo o risco de fazer só o que convém, deixando pouca margem à ação de Deus e a aceitação da Sua Vontade!

Nos nossos projetos pessoais e programas pastorais não subestimemos a oração! Ao contrário, façamos dela prioridade e não tenhamos medo de nos lançar numa verdadeira pastoral da oração. A oração não resolve de imediato nossos problemas, mas nos dá força e serenidade para enfrentá-los! A oração não se contabiliza, mas permite olhar a nossa vida com um novo olhar, o olhar de Deus que não se cansa de nos esperar, para dar-nos a luz e a alegria necessárias para avançarmos e alcançarmos novas metas e atingirmos nossos ideais.

Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia



OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 13
VAMOS COMEMORAR O DIA DA CRIANÇA!!! COMO???

por dom Milton Kenan Junior

    

No último dia 27 de agosto, em diversas partes do Brasil foram lembrados e reverenciados dois grandes bispos: Dom Hélder Câmara e Dom Luciano Mendes de Almeida; cujos nomes estão intimamente ligados à luta pela democracia e a defesa da justiça, em tempos difíceis, nas terras brasileiras.

Dom Luciano, por muitos anos Bispo Auxiliar de São Paulo e depois Arcebispo de Mariana-MG, deixou à Igreja do Brasil um enorme legado de fé, de compromisso com os mais pobres e testemunho de esperança. Viveu seu episcopado na esteira dos grandes padres da Igreja, que souberam unir a transmissão da fé, a defesa da Verdade e a paixão pela Justiça!

Entretanto, é sempre importante ressaltar que entre as muitas causas que Dom Luciano abraçou, com amor de pai e pastor foi a causa das crianças e adolescentes em situação de desamparo e risco, vítimas indefesas de um mundo frio e desigual, incapaz de reconhecer e respeitar a vida que nasce.

Ao iniciar o mês de outubro, há um grande movimento para a comemoração do Dia da Criança, que coincidentemente (ou providencialmente) ocorre no Dia da Padroeira do Brasil. É tempo de nos perguntarmos: onde estão as nossas crianças? Mais do que deixar-se arrastar pela onda avassaladora da propaganda comercial que visa a cada ano superar metas e bater recordes de venda, é momento de olhar para as crianças e adolescentes colocados em situação de risco, expostos à opinião pública muitas vezes manipulada pelas notícias rápidas dos telejornais que, se não distorcem a verdade dos fatos, nem sempre dizem toda a verdade.

Hoje, não é difícil ler nas entrelinhas das notícias o clamor de centenas de milhares de jovens, crianças e adolescentes, vítimas da violência, do tráfico, do crime organizado, sem acesso à escola com qualidade, ao lazer e divertimento, vivendo em condições precárias, muitos deles obrigados a enveredar pelo caminho do crime e da prostituição como forma de superar a fome e ludibriar a aflição de suas famílias desprovidas de tudo. O Documento de Aparecida alerta: “A situação precária e a violência familiar com frequência obriga muitos meninos e meninas a procurarem recursos econômicos na rua para sua sobrevivência pessoal e familiar, expondo-se, também, a graves riscos morais e humanos” (Dap 409).

No clamor silencioso e angustiante em que vivem centenas de milhares de meninos e meninas que cumprem medidas socioeducativas, privados de liberdade em instituições educacionais - muitos deles vítimas de maus tratos, espancamentos, esquecidos nos abrigos; outros, ainda, expostos pela mídia à condenação da opinião pública, como foi o caso das meninas da Vila Mariana, noticiado nestes últimos meses - está a voz do Cristo que sofre nos pequeninos.

É em vista da difícil realidade que vivem estas crianças e adolescentes que as ações da Pastoral da Criança e da Pastoral do Menor, tendo como referência necessária e absoluta o Estatuto da Criança e do Adolescente (neste ano comemora-se os 20 anos da sua aprovação), nos enchem de esperança.

Na busca da transformação dessa realidade e com o objetivo de garantir o Direito da Criança e do Adolescente, vale ressaltar a iniciativa de toda a Arquidiocese de São Paulo no processo de eleição para os Conselhos Tutelares, que se realizará no próximo dia 16 de outubro, na cidade de São Paulo, e que nos leva a vislumbrar um novo horizonte para as nossas crianças!

Graças ao apoio da Equipe de Articulação em Defesa da Criança e Adolescente, constituída por membros do CLASP, e das Pastorais da Criança, do Menor, da Juventude, e Fé e Política; em parceria com a Diocese de Santo Amaro, foram realizados, nestes últimos meses: encontros com pré-candidatos; fórum de debate e discussão com a sociedade civil; folder explicativo; o encaminhamento das listas de locais de votação e candidatos classificados por regiões episcopais, para todas as paróquias da Arquidiocese, a fim de facilitar o acesso aos locais e a identificação dos candidatos ligados às comunidades católicas. Todas essas articulações revelam o compromisso efetivo da Igreja que acredita no futuro para as crianças do Brasil!

Na cidade de São Paulo, neste ano de 2011, o Dia da Criança desdobra-se no dia 12, com todas as suas comemorações e, no dia 16, com a eleição dos membros dos Conselhos Tutelares, compromisso de todos com as crianças e adolescentes, os mais expostos e frágeis, necessitados do socorro da sociedade.

Destaco, ainda, a iniciativa da Cáritas e da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo com a Campanha “Solidariedade África – O Amor não tem fronteiras”. Uma campanha que visa a educação para a solidariedade, em que as crianças paulistanas das comunidades, escolas católicas e entidades sociais de nossas paróquias demonstram sua sensibilidade para com as crianças da Somália e países da Região Noroeste da África, assolados pela seca e pela fome, onde milhares de pessoas morrem diariamente.

Gestos como esses demonstram que a comemoração do Dia da Criança, para muitos, não se limita numa única data, mas sim a todos os dias do ano, através de gestos pequenos à primeira vista, mas carregados de significado e consequências.

Vamos comemorar sim o Dia da Criança! Lembrando que milhares de crianças esperam por nossa solidariedade, e nosso compromisso em construir um mundo de justiça e paz.
  

Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia