Olhar Episcopal - Dom Milton


DOM MILTON


 

OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 12 ÊXODO: UMA EXPERIÊNCIA DE FÉ (Ex 15,22 - 18,27) por dom Milton Kenan Junior




Durante este mês de Setembro, muitas comunidades espalhadas pelo Brasil a fora, tomam em suas mãos alguns capítulos do Livro do Êxodo (15,22 - 18,27), para refletir e rezar sobre sua própria história e caminhada.

Na verdade, a experiência de Israel, que saindo da dura servidão no Egito percorre o deserto rumo a Terra Prometida, não é significativa apenas para os judeus, mas também para nós, cristãos.

Na leitura do Livro do Êxodo, uma primeira consideração importante é o fato de que unido ao desejo de alcançar a Terra Prometida, onde Israel poderá finalmente gozar de liberdade e independência, está o desejo de “servir a Deus”. A ordem que Deus transmite ao Faraó por meio de Moisés é: “Deixai partir o meu povo! Para que me sirva no deserto!” (Ex 7,16). Ao todo são quatro vezes que essas palavras se repetem (Ex 7,26; 9,1; 9,13; 10,3), demonstrando a importância do argumento.

O que se tem em vista não é somente a conquista da Terra Prometida, mas a possibilidade de servir a Deus como Ele quer ser servido. Israel parte, não para ser um povo como um outro qualquer, mas para servir a Deus. A meta que quer alcançar é a montanha de Deus, até então desconhecida, para nela poder servir o Senhor.

Alguém poderia dizer que esse argumento fora utilizado por Moisés como estratégia para tirar o seu povo da dominação de Israel. Mas, acompanhando a longa caminhada do povo pelo deserto compreende-se que terra e culto estão intimamente ligados. A terra sonhada e esperada por Israel será a terra destinada ao serviço do Senhor, onde o povo que nela reside poderá viver como Deus deseja, na liberdade e na justiça.

No Sinai, porém, Deus dá ao seu povo não só as cláusulas da Aliança (os dez mandamentos), mas as normas que devem reger o culto a ser-lhe oferecido (cf. Ex 20, 1-17; 24). Vida e culto estão intimamente ligados! Como diz Santo Irineu: “A glória de Deus é o homem vivo; a vida do homem significa olhar a Deus”.

Essa constatação nos faz ver que o culto que Deus deseja do seu povo não se limita a gestos rituais (embora não prescinda deles), mas envolve toda a vida. A vida vivida na fé, na liberdade e no amor é a liturgia querida de Deus para o seu povo, em razão da qual Ele lhe dá a Sua Terra.

Um segundo aspecto que merece a nossa atenção é a experiência do deserto.  No comentário que faz ao texto, na “Bíblia do Peregrino”, Luís Alonso Schökel chama atenção ao fato de que o deserto é o “lugar desamparado, que reduz o povo às necessidades elementares da subsistência e o põe à prova, para que conquiste a partir de dentro a liberdade que lhe foi dada. Tempo intermédio de dilação, para forjar a resistência e cultivar a esperança, para viver da promessa depois de ter experimentado o primeiro favor”, ao mesmo tempo: “Também essa etapa se torna padrão de futuras peregrinações por outros desertos, à conquista da liberdade e da esperança.” (p.135)

Na longa peregrinação pelo deserto, Israel é levado a reconhecer o Senhor como o protagonista da sua história. Nas muitas provas que sofre, é sempre Deus quem age e dá solução aos seus dramas: transforma a água salobra em água potável (Ex 15, 22-27), envia o maná como alimento (Ex 16), faz brotar água da rocha (Ex 17,1-7), garante a vitória sobre os seus inimigos (Ex 17, 8-16), e faz Moisés reencontrar com a sua família (Ex 18, 1-22).

Como Jetro, podemos, então, exclamar: “Bendito seja o Senhor, que vos livrou do poder dos egípcios e do Faraó. Agora sei que o Senhor é o maior de todos os deuses, pois, quando vos tratavam com arrogância, o Senhor liberta o povo do domínio egípcio.” (Ex 18,11).

No encontro de Jetro com Moisés é importante ressaltar o fato de que o que podia ter acabado num relato de viagem toma a forma de um ato litúrgico “quase como proto-eucaristia”, como observa Schökel no comentário ao texto, na Bíblia do Peregrino. Jetro é apresentado como “sacerdote de Madiã” (18,1). O Lugar é “o monte de Deus” (5), o oficiante é o próprio Jetro, que faz a memória (anamnese) de fatos como ações divinas: “tudo quanto fez Deus/o Senhor” (1.8.9); que se traduz em exultação e benção = ação de graças (Eucaristia), por “todos os benefícios...” bendito Yhwh (9-10); num sacrifício e banquete sagrado (comunhão), “na presença de Deus” (12).

Ao fazermos nós a leitura desses capítulos, o fazemos à luz do Mistério da Páscoa de Jesus Ressuscitado. Os evangelistas falam dos êxodos praticados por Jesus: quando sobe decididamente a Jerusalém a fim de sofrer a Paixão (cf. Lc 9,51) e quando entra no mistério da sua Paixão passando deste mundo para o Pai, depois de ter amado os seus até o fim (cf. Jo 13,1).

Sem retirar o valor que tem o relato do Êxodo para as comunidades que percorrem, ainda hoje, os caminhos do deserto esperando alcançar a Terra Prometida, onde a liberdade e a vida plena sejam garantidas para sempre, compreendemos que o êxodo que devemos percorrer é o mesmo que percorreu Jesus, a fim de passar com Ele, da morte para a vida!

Israel encontra-se com o Deus que o fortalece na esperança, que o educa na fé e na confiança, que espera dele um culto que seja não só rito, mas também vida, expressão da fidelidade à Aliança (cf. Ex 15, 26). Nós também encontrando-nos com Jesus, vemos que as exigências que Ele faz aos seus discípulos (Mt 5-7) não são menores daquelas que Deus dá a seu povo na caminhada do deserto, ao revelar-lhes o Reino, cuja exigência é um culto “em espírito e vida” (cf. Jo 4,23).

Na “liturgia” de Jetro não é difícil vislumbrar um anúncio e profecia da Eucaristia, memorial da Nova e Eterna Aliança.  Hoje, ao redor da mesa eucarística, fazemos também nós a experiência do encontro com o Senhor que liberta, que não dá somente água e pão para o seu povo, mas o Corpo e o Sangue do seu Filho, garantia da Páscoa definitiva, quando  Deus será tudo em todos!

Nos muitos desertos do nosso tempo, somos convidados pelas palavras do Êxodo a experimentar o Deus próximo que ouve o clamor do seu povo e vê os seus sofrimentos (Ex 3,7-9), e envia o seu Filho para ser um “novo Moisés” a conduzir-nos à Terra Prometida, da justiça e da paz!

“Existem tantas formas de deserto. Há o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede, o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído. Há o deserto da obscuridão de Deus, do esvaziamento das almas que perderam a consciência da dignidade e do caminho do homem. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo, porque os desertos interiores tornaram-se tão amplos. Por isso, os tesouros da terra já não estão ao serviço da edificação do jardim de Deus, no qual todos podem viver, mas tornaram-se escravos dos poderes da exploração e da destruição. A Igreja no seu conjunto, e os pastores nela, como Cristo, devem pôr-se a caminho, para conduzir os homens fora do deserto, para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para aquele que dá a vida, a vida em plenitude” (BENTO XVI, Homilia, 24-04-2005).

Valem para nós as palavras de Isaías: “O deserto e o ermo se regozijarão, a estepe florescerá de alegria... Fortalecei as mãos fracas, robustecei os joelhos vacilantes. Dizei aos covardes: Sede fortes, não temais, olhai o vosso Deus, que traz a desforra, vem em pessoa, ele vos ressarcirá e vos salvará.” (Is 35,1a,3-4).

Caminhamos no deserto, confiantes que um dia ele se transformará em jardim, certos de que toda amargura cederá lugar à verdadeira alegria.


Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia




OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 11
FAMÍLIA, PESSOA E SOCIEDADE
por dom Milton Kenan Junior
Estamos em plena Semana Nacional da Família (SNF), celebrada pela Igreja do Brasil. Quantas comunidades, constituídas por milhares de famílias, reúnem-se para refletir, rezar, pensar a vida e a missão da família, diante dos desafios que a realidade em que vive lhe impõe.

O tema “Família, Pessoa e Sociedade” da SNF 2011 sugere alguns aspectos que merecem nossa atenção e nossa abordagem durante esta Semana, e a partir dela, nos muitos encontros e atividades, que se realizam no decorrer do ano, relacionados à vida e missão das famílias.

A Família, podemos afirmar em primeiro lugar, é a promotora da dignidade e felicidade das pessoas. Quando jovem, sempre ouvia de um tio muito querido uma história em que ele dizia, brincando, que à primeira vista a maior parte dos problemas que enfrentamos é gerada pela família: a difícil convivência entre pais e filhos, o relacionamento conjugal, o conflito das gerações, a manutenção do lar, a educação da prole etc. Entretanto, num olhar mais aprofundado não se pode negar, afirmava ele mais seriamente, as maiores alegrias também as encontramos na família: a alegria da paternidade e maternidade com a chegada dos filhos, a cumplicidade do casal que ao longo dos anos amadurece-os fazendo crescer na unidade de vida e de amor, a superação dos conflitos e a presença solidária que a Família oferece no momento em que cada um tem que enfrentar o sofrimento, a enfermidade e a morte.

Sim, a Família é Dom preciso e indispensável à nossa felicidade e a nossa realização! É nela que aprendemos a ser gente, e gente feliz! Por mais que queiram afirmar o contrário, até hoje nenhuma outra instituição foi capaz de fazer o que a Família faz! Há falhas, limites, contradições? Sem dúvida! Embora de natureza divina, a Família é uma realidade humana, histórica, e por isso passível de falhas e contrastes! Mas ninguém melhor do que a Família cumpre o papel de formar e educar para a vida. Investir na Família é assegurar uma sociedade mais feliz!

Há poucos dias, ouvia no noticiário de uma grande radio da cidade São Paulo que em alguns países, hoje, há um grande interesse em sustentar e apoiar projetos sociais, cujos recursos e custos ficam muito abaixo do que os despendidos em instituições de reeducação e correção, cujos efeitos nem sempre correspondem aos recursos aplicados. Por que não investir na Família, se os fatos comprovam que Família apoiada e equilibrada gera cidadãos de bem, capazes de manter a qualidade de vida da sociedade que vivemos?

Num outro dia, eu ouvia também alguém dizer que nas muitas vezes que esteve na Fundação Casa, que acolhe adolescentes e jovens infratores, nunca encontrou um jovem ali que tenha sido assistido pela Pastoral da Criança, ou seja, dificilmente alguém que tenha uma família constituída e amparada irá enveredar por caminhos do crime e da delinquência.

A Igreja não se cansa de dizer da importância da missão da Família no mundo de hoje! O Beato Papa João Paulo II já disse: “O futuro de humanidade passa pelo futuro da Família”!

Em junho passado, na sua visita à Croácia, o papa Bento XVI dedicou à Família um dos seus discursos, publicado pelo Jornal L’Osservatore Romano em 11 de  junho deste ano com o título: “Famílias abertas à vida recurso para o futuro”. Entre muitas afirmações importantes, o papa faz um grande apelo às famílias: “Mostrai com o vosso testemunho de vida que é possível amar, como Cristo, sem reservas, que não é preciso ter medo de assumir um compromisso com outra pessoa. Queridas famílias, alegrai-vos com a paternidade e a maternidade! A abertura à vida é sinal de abertura ao futuro, de confiança no futuro, tal como o respeito da moral natural, antes que mortificar a pessoa, liberta-a. O bem da Família é igualmente o bem da Igreja.”

Falar da importância da Família à sociedade é reconhecer que a convivência pacífica e harmoniosa entre nações, povos e indivíduos exige valorizar e investir na Família. Não são poucos os desafios que a família enfrenta e que dificulta a realização da sua missão: desde a mentalidade caracterizada por um nefasto relativismo que solapa convicções e compromete a sua harmonia e sustentabilidade, patrocinando formas estereotipadas de convivência, o controle da natalidade, a destruição de lares.

Merecem também a nossa atenção aquelas situações que colocam em risco a sobrevivência de muitas famílias: a falta de saneamento básico, o difícil acesso à escola, o numero reduzido de creches onde as famílias mais pobres podem colocar seus filhos, a fim de assegurar o acesso ao trabalho; as condições desumanas dos lares, muitas vezes construídos em locais de risco; a falta de assistência e acompanhamento médico e unidades hospitalares nos bairros mais pobres, a ausência de políticas publicas que garantam às famílias recursos para a geração de renda e preservação dos valores culturais e religiosos que possuem.

O empenho pela Família exige de nós também a consciência da responsabilidade da Igreja em formar verdadeiras famílias cristãs. E, certamente, esse será o contributo mais precioso que a Igreja pode oferecer à Família e à sociedade do nosso tempo. O papa Bento XVI no mesmo discurso, acima citado, diz: “Cada um bem sabe como a família cristã é um sinal especial da presença e do amor de Cristo e como está chamada a dar uma contribuição específica e insubstituível para a evangelização.”

Hoje, não são poucas as famílias que no interior da Igreja, através de muitas associações, movimentos e pastorais, procuram conhecer, crescer e vivenciar a sua fé. Elas, por sua vez, são o testemunho mais bonito da vitalidade da Igreja e, ao mesmo tempo, oferecem ao mundo o mais precioso serviço capaz de manter vivo o amor, fundado na verdade e na alegria de viver em comunhão!

Amemos nossas famílias! Delas depende nosso futuro! Elas são para nós um dos mais eloquentes testemunhos da esperança que, como diz o poeta, embora entre as irmãs fé e caridade seja a mais pequena é a que tem a força de arrastar consigo as irmãs que a acompanham!

Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia



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OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 10
ANUNCIAR A PALAVRA QUE GERA A VIDA


por dom Milton Kenan Junior

“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida - porque a Vida manifestou-se: nós a vimos e dela vos damos testemunhos e vos anunciamos...” (1Jo 1,1-2a).

A cada ano, o mês de agosto é acolhido pela Igreja no Brasil como um tempo privilegiado para despertar nas comunidades o interesse, o compromisso, o apoio e a oração pelas vocações sacerdotais, religiosas e missionárias.

São muitas as iniciativas para criar a tão almejada “mística” ou “cultura vocacional”; ou seja, a sensibilidade tão necessária à ação do Espírito Santo que abre corações e mentes à voz de Deus, que não se cansa de chamar o seu povo, cada um dos seus filhos, aos mais diversos ministérios e serviços, para tornar realidade o Reino anunciado por Jesus, cujas parábolas ouvimos nestas últimas semanas, nas eucaristias dominicais.

Tenho em mãos o farto material produzido pelo Serviço de Animação Vocacional da Arquidiocese de São Paulo, enviado no formato PDF para todas as paróquias da Arquidiocese, pelo padre Messias de Moraes Ferreira. Os que se interessarem poderão solicitá-lo do próprio padre Messias (cvasp@uol.com.br), pois tratam-se de orientações e sugestões práticas e valiosas para tornar o mês de agosto um tempo de maior sensibilidade ao Deus que chama!

O tema sugerido, neste ano, à nossa reflexão e oração é “Anunciar a Palavra que gera a vida”, com o lema “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10).

São sugestivas as palavras do papa Bento XVI no inicio da Exortação Apostólica “Verbum Domini”: “Num mundo que frequentemente sente Deus como supérfluo ou alheio, confessamos como Pedro que só Ele tem “palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Não existe prioridade maior do que esta: reabrir ao homem atual o acesso a Deus, a Deus que fala e nos comunica o seu amor para que tenhamos vida em abundância (cf. Jo 10,10).” (VD 2).

Ainda no mesmo documento, Bento XVI dizendo da relação entre a Palavra de Deus e as vocações, afirma que “quanto mais aprofundarmos a nossa relação pessoal com o Senhor Jesus, tanto mais nos damos conta de que Ele nos chama à santidade, através de opções definitivas, pelas quais a nossa vida responde ao seu amor, assumindo funções e ministérios para edificar a Igreja” (VD 77).

A Palavra de Deus contida na Escritura pode ser compreendida como o relato de muitos chamados. No relato da criação (Gn 1, 1 - 27) vemos uma sucessão de “Deus disse...” “Deus fez...” Deus chamou”, revelando-nos o apelo divino que chama todas as coisas à existência, transformando o ‘caos’ em ‘jardim’, onde o homem e a mulher são colocados como Sua obra-prima. Emblemático é o chamado de Abraão (cf. Gn 12, 1-3), destinatário da benção e da promessa divinas, chamado a andar na presença do Senhor e viver na perfeição (cf. Gn 17,1). O que outrora lamentava a sua esterilidade, torna-se pai de uma multidão de filhos, semelhantes a areia do mar e as estrelas do céu (cg. Gn 15,2-6).

Não menos significativo é o chamado que Deus dirige a Moisés (cf. Ex 3, 7-12) para salvar o seu povo da escravidão do Egito e conduzi-lo à terra prometida. Nos profetas, porém, o chamado assume conotações de uma simplicidade e profundidade impressionantes (cf. Is 6, 1-8; Jr 1, 4-10). Mas é em  Jesus, o chamado por excelência (cf. Hb 10,5-10), que a vocação alcança seu sentido e profundidade exemplares!

Na lógica da Palavra de Deus, todo o que é chamado tem a missão de chamar! Acompanhando os vários chamados, sobretudo os primeiros discípulos de Jesus, não é difícil constatar que os que se encontravam com o Mestre, sentiam-se impulsionados a levar outros ao encontro com Ele, a fazer sua a experiência que eles próprios faziam. Assim aconteceu com André (cf. Jo 1,40s) e com Filipe (cf. Jo 1,45s)! É a dinâmica de toda vocação!

Não sei se não me engano ao dizer, mas creio que o critério para discernir todo chamado é o compromisso em chamar outros ao seguimento de Jesus. O Documento de Aparecida afirma: “quando cresce no cristão a consciência de pertencer a Cristo, em razão da gratuidade e alegria que produz, cresce também o ímpeto de comunicar a todos o dom desse encontro” (DAp 145).

São muitas as maneiras e ocasiões para “chamar” e, são tantas também os modos como podemos transmitir o chamado aos que nos cercam. Desde situações corriqueiras como o convívio no lar, uma visita à escola, um momento de diversão com os amigos. Todas as ocasiões podem se transformar em oportunidade para semear no coração dos que estão ao nosso lado o interesse pelo Evangelho, o desejo de uma amizade mais intensa com Cristo, a disponibilidade para servir aqueles que ninguém quer servir, por Cristo e em Seu Nome, o desejo de se fazer dom à comunidade, assumindo o próprio lugar nela.

Mas também são muitos os modos como podemos transmitir o chamado do Mestre, considerando que o mais importante será sempre o testemunho de uma vida fundada no Evangelho! Nossas palavras tornam-se eloquentes, nossos convites irresistíveis se forem acompanhados de compromisso sério com o Senhor e fidelidade à sua Palavra; se, nossa vida, muitas vezes pobre e escondida, estiver tecida pelo fio de “uma fé direita, uma esperança certa, uma caridade perfeita”, como pede São Francisco ao Crucificado, capaz de levar ao “senso e conhecimento [de Deus]” no cumprimento da sua vontade.

Anunciar a Palavra que gera a vida é compromisso de todo chamado! “Chamados para Chamar!” “Evangelizados para Evangelizar!” “Discípulos-Missionários!” A Palavra percorre entre nós o Seu Caminho querendo gerar entre nós alegria e entusiasmo na Missão, compromisso com o Reino! Ouvintes, praticantes, anunciadores, testemunhas da Palavra é o que nos tornará verdadeiramente comprometidos com o surgimento de vocações genuínas e autênticas na Igreja!
Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia

OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 09 A PALAVRA DE ORDEM É PARTICIPAÇÃO


OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 09
A PALAVRA DE ORDEM É PARTICIPAÇÃO
Dom Milton Kenan Junior                                  
No texto das novas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil, os bispos, tratando das perspectivas de ação das urgências da ação evangelizadora, sugerem: “Incentive-se cada vez mais a participação social e política dos cristãos leigos e leigas nos diversos níveis e instituições, promovendo-se a formação permanente e ações concretas. Incentive-se a participação, ativa e consciente, nos Conselhos de Direitos. Quer promovendo, quer se unindo a outras iniciativas, incentive-se a participação em campanhas e outras iniciativas que busquem efetivar, com gestos concretos, a convivência pacífica, em meio a uma sociedade marcada por violência, que banaliza a vida” (DGAE 2011-2015, n. 107).
Entre nós, na Arquidiocese de São Paulo, atendendo a um apelo de nosso arcebispo dom Odilo Pedro Scherer, desde o início deste ano, desencadeia-se um processo de formação e articulação dos candidatos aos Conselhos Tutelares da Criança e do Adolescente, cujas eleições deverão ocorrer no próximo dia 17 de agosto.
Alguns passos importantes foram dados: em primeiro lugar, foi constituída uma equipe de articulação em defesa da criança e adolescente, formada por membros da Pastoral da Criança, Pastoral Fé e Política, Pastoral do Menor, do CLASP e Pastoral da Juventude; foi promovido um primeiro encontro, no dia 2 de abril, no Centro Pastoral São José (Belém) com um significativo número de representantes das seis regiões episcopais, e das dioceses de Santo Amaro, Campo Limpo e São Miguel, quando foram elencadas várias propostas para a formação e articulação dos candidatos aos conselhos tutelares; no dia 14 de abril, realizou-se na Câmara Municipal de São Paulo uma audiência pública promovida pela equipe acima mencionada e pela Comissão de Defesa da Criança e Adolescente da Câmara Municipal de São Paulo.

No próximo sábado, 21 de maio, esperamos reunir novamente os candidatos das seis regiões episcopais, ligados às paróquias e comunidades da Arquidiocese, com a finalidade de se traçar um planejamento de ações a partir das propostas do encontro do dia 2 de abril, ou seja:

1. Realizar um encontro para todos os candidatos da Arquidiocese de São Paulo, a fim de se conhecer os candidatos e para que eles possam conscientizar-se das expectativas que a Igreja tem sobre eles;

2. Criar espaços para formação dos candidatos por região ou diocese (Santo Amaro, Campo Limpo e São Miguel);

3. Elaborar um material formativo/informativo para todas as paróquias, comunidades e entidades católicas;

4. Motivar, sensibilizar para as equipes regionais ou diocesanas se organizarem.

Considerando a importância do momento e os passos dados para articular, preparar, animar e fortalecer os candidatos das regiões episcopais para participarem do processo de escolha dos membros dos Conselhos Tutelares de 2011, acreditamos que será importante conscientizar e sensibilizar nossas comunidades para participar da eleição dos conselhos tutelares, através da divulgação mais ampla possível do folder formativo e informativo que chegará nas próximas semanas às paróquias e comunidades de nossa Arquidiocese; oferecer oportunidade para que os candidatos católicos, membros das paróquias, e comprometidos com a promoção das crianças e adolescentes, possam apresentar-se as comunidades para ouvir suas expectativas e propostas e ao mesmo tempo apresentar seus compromissos de atuação.

Será importante, também, desencadear um processo de escolha e acompanhamento efetivos desses candidatos de forma que, periodicamente, possam encontrar-se com as lideranças das comunidades para informá-las e sensibilizá-las para a realidade muitas vezes cruel em que vivem as crianças e adolescentes em situação de risco e, ao mesmo tempo, fazer uma “prestação de contas” das ações viabilizadas pelos conselhos tutelares.

Dentro deste processo, será necessário lembrar de tempos em tempos àqueles candidatos que se elegerem que “é imprescindível que o discípulo se fundamente no seguimento do Senhor que lhe concede a força necessária, não só para não sucumbir diante das insídias do materialismo e do egoísmo, mas para construir ao redor dele um consenso moral sobre os valores fundamentais que tornam possível a construção de 0uma sociedade justa” (DA 506).

Será de grande valor que o acompanhamento dado aos candidatos neste período que antecede a eleição para os Conselhos Tutelares de 2011, perdure e continue após as eleições de tal forma que possam sentir-se sempre animados pelos valores evangélicos nas suas atitudes e, possam tornar realidade o fato de “que é a vocação fundamental da Igreja neste setor formar as consciências, ser advogada da justiça e da verdade e educar nas virtudes individuais e políticas” (DA 508).

A palavra de ordem é participar! Prevê-se para o próximo dia 18 de junho um Fórum de Discussão e Debate sobre a participação nos Conselhos Tutelares, com a presença inclusive do Ministério Público. Não deixemos de medir esforços em participar, lembrando-nos sempre que as grandes causas se fazem com pequenas ações, que a conquista de uma sociedade justa e fraterna exige de nós fé profunda, compromisso efetivo com a comunidade que nos anima e sustenta, santidade e coerência de vida, e disponibilidade em participar!

Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia



OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 08
É PÁSCOA!por dom Milton Kenan Junior




Após quarenta dias de intensa preparação, toda a Igreja, revivendo a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, celebra o Mistério Pascal, ou seja, a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, a passagem da Morte para a Vida!

Na vitória de Cristo sobre o mal e a morte está o centro da vida cristã, pois é nela que encontramos a garantia da nossa fé, pois como nos diz o Apóstolo São Paulo: “se Cristo não ressuscitou vazia é a nossa pregação, vazia também é a nossa fé.” (1Cor 15,14); o incentivo para a nossa esperança, pois na Ressurreição de Jesus temos uma amostra do que Deus tem preparado para aqueles que o amam (cf. 1Cor 2,9) e, enfim, o alento para a nossa caridade: “Quem não poupou o seu próprio Filho e o entregou por todos nós, como não nos haverá de agraciar em todo junto com ele?” (Rm 8,32)

Caminhar à luz da Páscoa é o convite que a Igreja faz aos seus filhos, a cada ano com a celebração dos Mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição; mas também a cada semana quando da Páscoa semanal, que ocorre a cada domingo, quando reunidos ao redor da mesa da Palavra e da Eucaristia, “anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressureição”.

A luz que decorre da Páscoa ilumina toda a nossa vida! Tudo se transfigura! Tudo recebe e alcança um novo sentido. “Se alguém está em Cristo, é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez realidade nova. Tudo isso vem de Deus, que nos reconciliou consigo por Cristo.” (2Cor 5, 17-18a) No Cristo Ressuscitado, recebemos “graça sobre graça” (Jo 1,16); é Ele a nossa Páscoa (cf. 1Cor 5,7); que nos faz passar do “reino das trevas” para o seu Reino, “no qual temos redenção – a remissão dos pecados” (Col 1,13).

Em Cristo Ressuscitado mudam-se os critérios de valor e de importância! Iludem-se os prepotentes deste mundo, os astuciosos e os violentes. Enganam-se os que se deixam corromper e arrastar pela sede insaciável do consumo e do lucro, pautando suas vidas pela mídia enganosa e interesseira que se enveredam pelos caminhos da arrogância que determina que alguns possam desperdiçar enquanto outros não têm com que viver. Cumpriu-se o que a Virgem cantou na aurora da salvação: “Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso, depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia.” (Cf. Lc 1, 51-54).

Páscoa é anúncio e tempo de vida nova! Vida brotada da Cruz do Senhor, daquele peito que fora transpassado pelo soldado, donde jorrou sangue e água (cf. Jo 19, 33-35), sinal do eterno amor de Deus pelos homens, revelado no seu Filho Jesus Cristo. Vida iluminada pelo AMOR: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Aquele que não ama permanece na morte.” (1Jo 3,14).

Celebrar a Páscoa é confessar diante de Deus e diante do mundo que o que importa doravante, é o amor. “Nisto manifestou o amor de Deus por nós: Deus enviou o Seu Filho único ao mundo, para que vivamos por ele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. Amados, se Deus assim nos amou, devemos, nós tambem, amar-nos uns aos outros.” (1Jo 4, 9-11).

A cada ano, quando celebramos a Páscoa do Ressuscitado, reunindo-nos ao redor da mesa eucarística, Deus repete aos nossos ouvidos: o que importa é o amor!, pois “o que ama o seu irmão permanece na luz, e nele não há ocasião de queda.” (1Jo 2,10) Se nos falta o amor, falta-nos tudo. Sem amor nossas obras são trevas.

O Santo Padre Bento XVI, na homilia da Missa da Ceia do Senhor, na noite da Quinta-feira Santa deste ano, aludindo as parábolas sobre os banquetes, na qual se fala dos “lugares vazios” e da “veste nupcial”, cita São Gregório Magno que numa de suas homilias perguntava-se: “Que gênero de pessoas são aquelas que vêm sem hábito nupcial? Em que consiste este hábito e como se pode adquiri-lo?” Eis a sua resposta: “Aqueles que foram chamados e vêm, de alguma maneira têm fé. É a fé que lhes abre a porta; mas falta-lhes o hábito nupcial do amor. Quem não vive a fé como amor, não está preparado para as núpcias e é expulso. A comunhão eucarística exige a fé, mas a fé exige o amor, caso contrário, está morta, inclusive como fé.”.

Decidir-se pelo amor é compromisso pascal! É o convite que o Ressuscitado nos faz! Não fazer da Páscoa apenas um rito, uma lembrança do passado, uma liturgia solene! Tudo isso é importante, mas não é suficiente para que se dê a Páscoa! A Páscoa é mais do que um rito e uma lembrança! É preciso revestir nossas liturgias e nossa vida do verdadeiro amor, do amor do Ressuscitado, cujo amor consistiu em dar a vida pelos seus amigos (cf. Jo 15,13) para que sejam, de fato, expressão da Páscoa do Ressuscitado, da nossa Páscoa de cristãos!

Ao desejar-nos feliz ou santa Páscoa, lembremo-nos de Cristo, nossa Páscoa, cujo amor não foi só de palavras, mas traduziu-se em obras e, que nos convida a fazer o mesmo que Ele fez!

Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia



OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 07
UMA ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICA
por dom Milton Kenan Junior
O tema da CF-2011 “Fraternidade e Vida no Planeta” nos permite refletir sobre a espiritualidade com uma feição ecológica. De início, poderíamos nos perguntar: “mas será possível falar numa espiritualidade ecológica?”; e “que sentido tem a espiritualidade para a vida do planeta?”.

Não deveria nos estranhar o alcance ecológico da espiritualidade; afinal, já na primeira página da Bíblia, vemos quanta afinidade há entre o Espírito e a Criação (cf. Gn 1,2). Falar da Criação, da Vida no Planeta exige que pensemos na ação do Espírito, a quem o Símbolo Niceno-Constantinopolitano professa como “Senhor que dá a vida”.
Quando descreve a ação do Espírito, a Palavra de Deus não só fala da sua ação nos profetas e na vida dos cristãos, mas fala da sua ação pelo universo. O livro dos Provérbios referindo-se à Sabedoria, a compara primeiramente ao mestre de obra que acompanha o trabalho da Criação; e depois a uma menina pequena que brinca no jardim, entre as flores e plantas, alegrando-se por estar entre os homens (cf. Pr 8,22).
Os salmos, ao mesmo tempo que descrevem a beleza do criado, nos falam do sopro divino que cria, sustenta, mantém a criação e renova a face da terra (cf. Sl 104, 30).
Partindo, portanto, das escrituras, a espiritualidade tem uma forte conotação ecológica: na Criação, os autores bíblicos são capazes de reconhecer os “vestígios” do Criador, os sinais da sua presença e da sua ação pelo mundo.
Neste sentido, são eloquentes as palavras de São João da Cruz: “Deus criou todas as coisas com grande facilidade e rapidez, deixando nelas um rastro de quem ele é. Não somente lhes tirou o ser do nada, mas dotou-as de inúmeras graças e virtudes, aformoseando-as com admirável ordem e indefectível dependência entre si. Tudo isto fez por meio da sua Sabedoria, com a qual as criou, e esta é o Verbo, seu Unigênito Filho” (Cântico 5,1).
Uma primeira característica da espiritualidade com conotação ecológica é justamente a admiração, o maravilhamento e estupor que brotam da contemplação da ação criadora de Deus, pois no dizer de São João da Cruz, “as criaturas são, na verdade, como um rastro da passagem de Deus, em que se vislumbram sua magnificência, poder, sabedoria e outras virtudes divinas” (Cântico 5,3); e ainda: “nas criaturas, vê a alma a grandeza e excelência do Criador, segundo as palavras do Apóstolo: ‘As coisas invisíveis de Deus tornam-se conhecidas à alma pelas coisas visíveis e criadas’ (Rm 1,20)” (Cântico 4,1).
O Texto-base da CF-2011 nos apresenta São Francisco de Assis como “modelo para os que buscam uma relação mais qualitativa em relação às criaturas.” (n° 189).  No Cântico das Criaturas, que o Texto-base reproduz (cf. n.197), Francisco nos ajuda a compreender que tudo na criação e no próprio homem aponta para Deus, tudo fala dele e o revela, embora nada possa encerrá-lo ou contê-lo.
É só a este Deus que convém o louvor, fruto de um reconhecimento maravilhado e cheio de entusiasmo, pois todas as criaturas revelam algo de sua glória fulgurante.
À todas as criaturas, Francisco chama de irmã, irmã e mãe. Para ele, entre todos os seres há como um parentesco. Todos os seres são formados da mesma matéria misteriosa e provêm do mesmo impulso criador.
O Cântico conclui-se passando dos objetos para o homem. Não o homem na sua beleza e sua força, mas o homem ferido pela ofensa, atingido pela doença e pela angustia, entregue às garras da morte, da qual ninguém pode escapar.
Estas ultimas estrofes revelam bem que é do coração de um homem ferido que brota o cântico de louvor. Conclui-se que o louvor de Deus pode brotar tanto da contemplação da ordem admirável do criado quanto do mais profundo do sofrimento humano, quando se compreende e se aceita seu sentido oculto. É a todas as situações que se aplica o convite da última estrofe: Louvai e bendizei meu Senhor, daí-lhe graças e servi-o com grande humildade.
Da contemplação da Criação e do maravilhamento diante dos “vestígios” do Criador, o Espírito nos conduz à ética do cuidado e da proteção. O Texto-base fala da ética do cuidado (n. 94-95). Tratando do cuidado, o Texto-base fala, citando Frei Antonio Moser, que ele é “essência do ser humano”.
É próprio do cuidado, continua o Texto-base, “não criar dependência, mas respeitar a identidade dos demais, como a peculiar maneira de ser e de existir de cada um dos demais seres. O cuidado deve também inspirar a preocupação e atitudes que cooperem com o crescimento do outro. O que será possível só em quem se encontra imbuído do amor, de quem está pronto para a doação.” (n. 184-186).
Podemos, então, concluir que uma espiritualidade com sentido ecológico é possível a partir da nossa sensibilidade para com o Espírito, “Senhor que dá a vida”; quando somos capazes de ver na beleza das criaturas um reflexo da beleza do Criador, quando da contemplação geramos compromisso com a obra criadora.
A nossa abertura a ação do Espírito deve levar-nos ao cuidado com o planeta. Irmãos e irmãs de todas as criaturas lembremos de que da existência de uns dependem os outros!
“Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã a mãe Terra, que nos suste e nos governa, e produz frutos diversos, e coloridas flores e ervas” (São Francisco de Assis).
Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia


OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 06




FRATERNIDADE E VIDA NO PLANETA (I)
por dom Milton Kenan Junior

A cada ano, a Igreja no Brasil, ao celebrar o tempo da Quaresma, que a conduz à celebração da Páscoa da Ressurreição do Senhor, realiza a Campanha da Fraternidade, enfocando um aspecto da realidade que está a exigir conversão e uma atenção mais concreta dos cristãos.

Neste ano, a Campanha da Fraternidade trata do tema “Fraternidade e a Vida no Planeta”, tendo como lema: “A criação geme em dores de parto” (Rm 8,22).
Já pelo tema se vê que o que merece uma maior atenção de nossa parte é a Vida, nas suas mais múltiplas formas no nosso planeta. Poderíamos dizer que a Vida está ameaçada, corre o risco de num tempo bem mais curto que imaginamos ficar seriamente comprometida, ou talvez desaparecer completamente.
O texto-base da Campanha da Fraternidade chama a nossa atenção para a elevação dos valores médios da temperatura na superfície do planeta, hoje em torno de 15°C, quando há 100 anos era 14,5°C, o que pode provocar alterações de várias ordens; diz também que a partir de 1750, a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera aumentou 40%, enquanto o metano (CH4) aumentou 150%. Esse é um dos fatores responsável pelo “efeito estufa”, grande vilão das mudanças climáticas, ou seja, a temperatura tende a aumentar cada vez mais (cf. Texto-base nn. 10. 15).
É triste constatar que a temperatura da superfície deve aumentar em cerca de 2,4°C até 2050, mesmo se a humanidade mudar seu padrão de produção e consumo imediatamente; mas poderá ser pior (atingindo o índice de 4°C) se a humanidade não mudar seus hábitos e não se preocupar com o planeta que vivemos (cf. Texto-base n.24).
A partir desses e de outros dados, que o texto-base CF 2011 nos apresenta, compreendemos que diante da problemática ambiental é necessário um pensar global, ou seja, compreender que a preservação da vida no planeta exige compromissos e posturas reais das nações, entre elas, a preocupação em diminuir a emissão dos gases responsáveis pelo “efeito estufa”; através do uso de energias renováveis (aquelas que são geralmente consumidas no próprio local em que ocorre a geração, e não emitem gases de feito estufa) e, o combate do desmatamento e das queimadas, que no caso do Brasil, são responsáveis por 50% das emissões de gases de efeito estufa (cf. Texto-base nn. 34.44).
Ao mesmo tempo, é preciso diante da realidade global possuir um agir local, ou seja, ações concretas que cada pessoa pode realizar, tendo em vista colaborar nessa empreitada pela defesa e preservação do meio ambiente: o uso de bolsas e sacolas de algodão para carregar compras, diminuir a temperatura de geladeiras, ar condicionados e estufas no inverno; economia no uso da energia elétrica; para conservar os alimentos, use vidro e não alumínio ou plástico; ao escovar os dentes, não deixar a torneira aberta, evitando o desperdício de 30 litros de água etc... (cf. Propostas para se diminuir o consumo pessoal, Texto-base n. 207).
As palavras do Papa Bento XVI na sua mensagem para a abertura da Campanha da Fraternidade 2011 são iluminadoras: “O primeiro passo para uma reta relação com o mundo que nos circunda é justamente o reconhecimento, da parte do homem, da sua condição de criatura: o homem não é Deus, mas Sua imagem; por isso, ele deve procurar tornar-se mais sensível à presença de Deus naquilo que está ao seu redor: em todas as criaturas e, especialmente, na pessoa humana, há uma certa epifania de Deus. “Quem sabe reconhecer no cosmos os reflexos do rosto invisível do Criador, é levado a ter maior amor pelas criaturas” (Bento XVI, homilia na solenidade da Santíssima Mãe de Deus, 1/1/2010).                                                                                                    
O homem só será capaz de respeitar as criaturas na medida em que tiver no seu espírito um sentido pleno da vida; caso contrário, será levado a desprezar-se a si mesmo e aquilo que o circunda, a não ter respeito pelo ambiente em que vive, pela criação. Por isso, a primeira ecologia a ser defendida é a “ecologia humana” (cf. Bento XVI, Encíclica Caritas in veritate, 51), ou seja, sem uma clara defesa da vida humana, desde sua concepção até a morte natural; sem uma defesa da família baseada no matrimônio entre um homem e uma mulher; sem uma verdadeira defesa daqueles que são excluídos e marginalizados pela sociedade, sem esquecer, nesse contexto, daqueles que perdem tudo, vítimas de desastres naturais, nunca se poderá falar de uma autêntica defesa do meio ambiente.
“Recordando que o dever de cuidar do meio ambiente é um imperativo que nasce da consciência de que Deus confia Sua criação ao homem não para que este exerça sobre ela um domínio arbitrário, mas que a conserve e cuide como um filho cuida da herança de seu pai, e uma grande herança que Deus confiou aos brasileiros, de bom grado envio-lhes uma propiciadora bênção apostólica.” (BENTO XVI).
Rezemos e tomemos consciência do que dizemos a Deus: “Pecadores que somos, não respeitamos a vossa obra, e o que era para ser garantia da vida está se tornando ameaça. A beleza está sendo mudada em devastação, e a morte mostra a sua presença no nosso planeta. Que nesta quaresma, nos convertamos e vejamos que a criação geme em dores de parto, para que possa renascer segundo o vosso plano de amor, por meio da nossa mudança de mentalidade e de atitudes.” (Oração da CF-2011).


Dom Milton Kenan Junior


Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia   
 
 
 
 
 
 
 
 





OLHAR EPISCOPAL – EDIÇÃO 05
por dom Milton Kenan Junior
PARÓQUIA, TORNA-TE O QUE TU ÉS!


Numa leitura rápida da Carta Pastoral de Dom Odilo, nosso Cardeal Arcebispo, à Arquidiocese de S. Paulo, publicada no ultimo dia 15 de fevereiro no encontro com o clero arquidiocesano, no Centro “Santa Fé”, na Via Anhanguera, chamou minha atenção algumas idéias básicas, que creio possam ajudar na leitura e apreciação deste significativo texto.
1. Paróquia real ou virtual? – Já de inicio encontramos uma preocupação com a vida de cada paróquia, na sua realidade não imaginária, mas concreta: “Como está a paróquia, a nossa paróquia? Conhecemos bem a realidade, pelo menos a realidade religiosa, de nossa paróquia? Há nela vazios, espaços ou situações não atendidas pela ação de nossa Igreja ? “ Como se vê há uma inquietação importante e, de certa forma, nova: conhecer nossas paróquias na sua realidade concreta, no seu “mundo real” utilizando uma expressão dos nossos dias, fugindo do imaginário ou da possibilidade “virtual”. Neste aspecto compreende-se a importância dos Questionários e do Seminário “Paróquia: Comunidade de Comunidades na realidade urbana”, encaminhados pelo Secretariado Arquidiocesano de Pastoral, que se realizarão nas Regiões Episcopais, como uma tentativa de diagnosticar, valorizar e incrementar atividades e iniciativas paroquiais.
2. Atenção à vida eclesial “na base” – Na perspectiva de conhecer a Paróquia real, também inicialmente e depois ao longo do texto, se fala de Paróquia como Igreja “na base”; portanto debruçar-se sobre as paróquias é debruçar-se sobre a base da Igreja. “A paróquia é, na expressão local e concreta, aquilo que a Igreja é no seu todo.” (p.5) “A paróquia é a Igreja “na base”, onde a vida e a missão da Igreja acontecem; é a célula viva da Igreja, lugar privilegiado no qual a maioria dos batizados tem a possibilidade de fazer uma experiência concreta do encontro com Cristo e da comunhão eclesial.” (p.8) Assim, “se a paróquia vai bem, a Igreja ali também vai bem; se a paróquia vai mal, ali a Igreja vai mal. A Igreja corre o risco de “rodar no vazio” e de ser reduzida a uma série de estruturas, instituições e organizações, sem chegar às pessoas concretas, se as paróquias não vivem bem sua identidade e missão e não são a expressão de comunidades vivas e dinâmicas, ou se carecem de objetivos e organização pastoral.”(p.5) Trata-se de um olhar para a Igreja “na base”, ou seja para as paróquias onde a maioria absoluta dos fiéis tem a possibilidade de encontrar-se com Cristo e fazer uma forte experiência comunitária.
3. O que é a paróquia? Partindo do conceito dado pelo Direito Canônico que define a paróquia como “uma determinada comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, e seu cuidado é confiado ao pároco como a seu pastor próprio, sob a autoridade do bispo diocesano” (cf. cân. 515) encontramos na Carta diversas definições que se complementam e enriquecem a compreensão do conceito de paróquia: “comunidade missionária dos discípulos de Cristo no meio do mundo”; “Ela é o rosto mais visível e concreto do Mistério da Igreja, “Sacramento da salvação” no mundo: é uma comunidade de batizados, congregados em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, vivendo a fé, a esperança e a caridade.” (p.7) “A paróquia é, acima de tudo, uma comunidade de pessoas, uma porção do Povo de Deus, que se congrega concretamente e de forma organizada em nome de Cristo, confiada aos cuidados pastorais de um Ministro ordenado (Padre); ele a reúne e serve nas coisas de Deus e da Igreja, forma na fé, anima e conduz na esperança e na caridade.” (p.9) “A paróquia deve ser uma comunidade viva e vibrante de fé e alegria cristã, que atrai para Cristo e medeia, de muitas maneiras, o encontro pessoal com Ele; ao mesmo tempo, o “espaço” onde se vive e cultiva a mística que decorre desse encontro com Cristo na liturgia, na caridade e no serviço aos irmãos e ao mundo, em nome da fé e como fruto da fé.” (p.18) “A paróquia é, e deve ser, uma “comunidade de comunidades” (cf. DAp nn. 164-180), “é bem mais do que uma única comunidade homogênea: nela há muitas expressões de vida eclesial, que precisam ser valorizadas, animadas e envolvidas mais diretamente na realização da única missão da Igreja.” (p.21) “Na paróquia está o povo de Deus, com a riqueza e a variedade de dons e carismas, que o Espírito Santo concede para a vitalidade de todo o corpo eclesial.” (p. 14)
4. Para que existem as Paróquias? – A partir destas definições seria espontânea a pergunta, para que existem as paróquias? Qual a razão de ser delas? Qual a grande meta que devem perseguir para cumprir a sua missão? “A paróquia pode realizar muitas atividades sociais, culturais e religiosas. Mas seu objetivo primordial é proporcionar aos seus membros uma rica e variada experiência da fé cristã católica, alimentada nas fontes da fé e da vida cristã e eclesial, que são a Palavra de Deus, a Tradição viva da fé da Igreja, a Liturgia e a riqueza mística do seguimento de Cristo, segundo o Evangelho, manifestada na vida dos santos. As várias atividades organizadas na Paróquia devem ser decorrência dessa missão e objetivo primordiais; e, dessa fonte, vão beber sempre sua inspiração e dinamismo. Contrariamente, a paróquia torna-se uma estrutura sem alma, ou uma entidade de prestação de vários serviços, talvez até úteis, mas sem identidade própria, pois estará deixando de lado sua missão principal.”(p. 18) Mais adiante retoma o pensamento dizendo: “A paróquia tem a missão de proporcionar aos fiéis muitas ocasiões de encontro com Cristo e, por meio dele, com Deus, no dom do Espírito Santo: na Palavra de Deus, na Eucaristia e nos demais Sacramentos, na mística da fé sobrenatural e da vivência eclesial, na experiência amorosa da oração pessoal e comunitária, na caridade atenta para com os pobres, doentes e todas as pessoas que sofrem, na promoção da justiça, da solidariedade, da beleza; a experiência do encontro com Cristo também é favorecida pelo testemunho luminoso dos santos e mártires, que nos precederam na fé e enriqueceram a vida da Igreja com seu exemplo.” (p.25)
5. Uma comunidade eucarística – Diversas vezes o Cardeal fala da paróquia como uma “comunidade eucarística”: “A assembléia eucarística é a expressão mais visível e sacramental da Igreja.” (p.7) “A comunidade paroquial é significada e torna-se visível, de modo especialmente profundo, na celebração eucarística dominical.” (p.19) “O momento melhor e a expressão mais perfeita da comunhão da Igreja acontece na celebração da Eucaristia, sob a guia dos Ministros ordenados, constituídos Pastores para servir, animar e conduzir, em nome de Cristo, todo o corpo ecesial.” (p.21)
6. Vida e missão da paróquia – Ao tratar da vida e missão da paróquia, a ênfase é dada também aqui, como conseqüência lógica ao tríplice múnus (profético, sacerdotal e
pastoral) de Cristo. Nas pegadas de Jesus, cada discípulo missionário e por conseqüência cada comunidade eclesial são chamados a tornar visível a missão de Cristo na sua própria vida e missão. Assim,no que tange ao múnus profético, cabe a cada comunidade “anunciar a Palavra de Deus e testemunhá-la pela vida”, pois “ sem um serviço constante e amoroso à Palavra de Deus, a fé esfria, a moral se desvia, as organizações eclesiais perdem seu sentido e a comunidade fica desorientada. Seria como uma árvore que não recebe mais água...”(p.9) Neste sentido deve ser dado realce ao querigma cristão, a proclamação e acolhida da Palavra de Deus de modo privilegiado na Liturgia, com a proclamação das leituras bíblicas e a homilia, a leitura e estudo bíblico pessoal ou em grupos, a leitura orante da Palavra de Deus; a formação cristã por meio de uma catequese sistemática e permanente, nas pregações, retiros e outros encontros e momentos de formação cristã, bem como no estudo da teologia, fazendo do Catecismo da Igreja Católica uma referencia constante para a formação do povo na fé católica.(p. 10) No que diz respeito ao múnus sacerdotal: “a paróquia tem a missão de proporcionar a todos os fiéis os meios para a santificação, mediante a celebração dos Sacramentos, especialmente a Eucaristia e a Penitência, o cultivo da oração pessoal e comunitária, o incentivo à escuta atenta e à pratica da Palavra de Deus e das virtudes humanas e cristãs, em particular, a caridade.” Cabe então recuperar a centralidade da celebração dominical para a vida da paróquia, valorizar devidamente a Liturgia com toda a sua riqueza espiritual e força evangelizadora, a celebração diária da Santa Missa, promoção do culto eucarístico e demais devoções populares conforme a orientação da Igreja, dar o devido valor a todos e cada um dos Sacramentos da Igreja, em especial ao Sacramento do Perdão, tendo e divulgando claramente os horários para o atendimento das confissões, como pede a disciplina da Igreja; cuidando também para se evitar que alguns sacramentos sejam absorvidos pela lógica do mercado consumista. Quando trata do múnus pastoral: “a paróquia deve ser o lugar da acolhida de todos, do interesse alegre pelas pessoas e da atenção delicada em relação a todos os que sofrem; deve ser o lugar da busca daqueles que estão distantes, enfim, da pratica de todas aquelas belas qualidades do Bom Pastor, que reúne, conhece, chama pelo nome, conduz, defende, corrige, procura, ama até entregar a vida pelas ovelhas” (cf. Ex 34; Jo 10,10). Para isso, além da sua dimensão pessoal a caridade tem também uma dimensão comunitária e organizada, não devendo faltar obras sociais e outras iniciativas de solidariedade social e de voluntariado. Na atenção e promoção da dignidade da pessoa da pessoa e dos direitos humanos, será importante promover a Doutrina Social da Igreja. No que diz respeito ao pastorei lembrou-se a responsabilidade pastoral partilhada com toda a comunidade e a boa administração dos bens materiais de que a paróquia precisa para viver e para cumprir sua missão, daí a importância de cada paróquia possuir Conselho de Assuntos Econômicos e Conselho de Pastoral.
7. Chamado à conversão paroquial: Se no início a primeira preocupação fora a constatação da realidade da paróquia e a identidade da mesma, ao longo da Carta há uma outra preocupação, tão importante, que se impõe como algo urgente, ou seja, a necessidade da “conversão pastoral e missionária” à qual as paróquias são convocadas seja pelo Documento de Aparecida, como pelo próprio 10° Plano de Pastoral da Arquidiocese (p.5). Trata-se uma “conversão pastoral e missionária” que deve se
aplicar não só aos membros da Igreja, “mas também de suas instituições e organizações pastorais, para ir além de uma pastoral voltada mais para a conservação daquilo que temos. É preciso adotar uma nova atitude e preocupação pastoral, que traduza um claro objetivo missionário em todos os níveis e âmbitos da vida eclesial.” (p.6) “Diante dos tempos novos e condições culturais mudadas, devemos rever seriamente nossas maneiras de ser e viver a vida e a missão eclesial. Em Aparecida pede-se que haja uma verdadeira “conversão pastoral”, superando cansaços e formas inadequadas e ineficazes de evangelizar e fazer pastoral; é necessário, sobretudo, ir além da preocupação com a mera conservação do que já existe, para imprimir à ação pastoral uma decidida preocupação missionária.” (p.24) A “conversão pastoral” exige portanto que, “antes de renovar estruturas, é preciso renovar pessoas, mentalidade e posturas; trata-se de desenvolver uma nova “cultura pastoral”, que tenha sempre presente a preocupação missionária e nos faça pensar, não apenas na satisfação das próprias buscas espirituais e religiosas, mas também na partilha dos bens da fé e da vida eclesial com aqueles que já participam da vida da Igreja, ou com aqueles que fazem parte dele mas ficaram distantes, ou se afastaram dela.”(p.25)
8. Paróquia missionária: A “conversão pastoral e missionária” proclamada pela Conferencia de Aparecida exige a compreensão da paróquia como “comunidade missionária dos discípulos de Cristo” no meio do mundo (p.9); e por isso, “nossa preocupação e ação missionárias devem estender-se a todos, também àqueles que abandonaram a fé, ou nunca sentiram a alegria de crer....Nossas paróquias, por isso, não podem perder de vista a dimensão missionária “ad gentes”; as iniciativas de outubro, “mês das missões”, são importantes para manter atento o olhar para o vasto horizonte da missão, que se estende para bem além dos limites paroquiais e alcança o mundo inteiro. Mas é importante que a paróquia também reflita sobre o alcance propriamente territorial de sua missão, para ver se não há vazios de presença eclesial nos espaços da paróquia. Há hospitais sem assistência? Há escolas, presídios, condomínios ou inteiros bairros sem nossa presença religiosa? É muito recomendável a setorização territorial da paróquia, promovendo o surgimento de novas comunidades, onde faltam, através de um trabalho missionário no interior da própria paróquia, que é a unidade missionária fundamental da Igreja; sua ação evangelizadora deve estender-se a toda a área, ou âmbito, de sua competência.”(p.26) “O futuro de nossa Igreja e da paróquia depende de nosso ânimo missionária hoje.” (p.27)
9. Desafios à vida e missão das paróquias: Nesta leitura da Carta Pastoral de Dom Odilo à Arquidiocese de S. Paulo, constatam-se alguns desafios que, na verdade, revelam o quanto o texto por si próprio é desafiador para as paróquias no contexto urbano e globalizado em que estão inseridas. Um primeiro desafio será superar o isolamento ou seja, compreender que “nenhuma paróquia se basta a si mesma, nem realiza sozinha e autonomamente a sua missão, mas o faz na comunhão da Igreja particular, reunida em torno do bispo (a diocese) e na comunhão universal da Igreja, reunida em torno do Papa”(p.8) , “também a paróquia não se basta e não deve fechar-se sobre si mesma; ela está unida às demais paróquias e ao Bispo, sucessor dos Apóstolos, que une em torno de si – de Cristo Pastor – a grande comunidade diocesana na comunhão da mesma fé, esperança e caridade.” (p.21). Quando fala das “muitas expressões de vida eclesial, que precisam ser valorizadas, animadas e envolvidas mais diretamente na
realização da única missão da Igreja” observa-se que “as variadas expressões de vida eclesial das “comunidades menores” não se bastam a si mesmas, mas completam-se na relação com a comunhão eclesial mais ampla, que acontece na paróquia, na diocese e na comunhão universal da Igreja.” (p.21) Um outro desafio é reforçar o espírito comunitário entre fiéis e pastores, pois, “a vida comunitária é essencial à vivencia da fé crista. Ser discípulos missionários de Jesus Cristo supõe pertencer a uma comunidade cristã determinada.”(p.20) Na realidade urbana de S. Paulo como podemos estimular e valorizar “dentro da paróquia, as comunidades menores, como as comunidades eclesiais de base, capelas de bairro e outras formas de comunidade e expressões de vida eclesial, onde as pessoas tenham a possibilidade de uma participação mais pessoa, de receber ajuda ou de colocar seus dons a serviço da vida e da missão eclesial”? (p.20) E, por fim, desafia-nos a conversão pastoral e missionária preconizada pela Conferencia de Aparecida e pelo 10° Plano de Pastoral da Arquidiocese de S. Paulo; sobretudo quando se afirma que “o futuro de nossa Igreja e da paróquia depende de nosso ânimo missionário hoje.”(p.27)
10. Padres, colabores diretos nesta tarefa! – Na Carta quando fala dos muitos membros e agentes pastorais atuantes em nossas paróquias Dom Odilo refere-se a tarefa dos leigos (p.13-14); dos ministros ordenados, sacerdotes e diáconos (p.15), dos religiosos e religiosas como também das novas formas de Vida Consagrada (p.16-17); entretanto, ao concluir refere-se explícita e fortemente ao papel do presbítero, dizendo que “a renovação da comunidade paroquial depende, em boa parte, da renovação na vivência do ministério sacerdotal.” (p.28) Ao padre cabe “servir sem reservas a comunidade paroquial, a exemplo do Bom Pastor, e de envolver nos “cuidados pastorais” toda a comunidade dos batizados à sua volta, a qual também participa da caridade pastoral de Cristo e a deve expressar de muitas maneiras.”(p.29)
Sem querer substituir a leitura e reflexão da Carta Pastoral de Dom Odilo ofereço este texto, pensando que possa ajudar a perceber as linhas, preocupações, indicações e mística que Dom Odilo oferece ao convocar as paróquias a tornarem-se o que de fato são.
“Paróquia, torna-te o que tu és!” é o grande lema a nos impulsionar na reflexão e compreensão das paróquias neste biênio 2010 e 2011. Vamos em frente!
Dom Milton Kenan Júnior
Bispo Aux. de S. Paulo
Vigário Episcopal para Reg. Brasilândia




OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 04

E A COMUNICAÇÃO COMO VAI?
por dom Milton Kenan Junior



“A Comunicação na vida e missão da Igreja no Brasil” é o título do mais recente fascículo da coleção “Estudos da CNBB” (n° 101). O texto não trata apenas da realidade da comunicação, mas vai além, parte da constatação de que vivemos hoje sob o efeito de uma verdadeira revolução cultural na qual alcançam grande importância “a informação de último minuto, a distração, o entretenimento, a imagem dos vencedores que souberam usar a seu favor as ferramentas tecnológicas e as expectativas de prestígio e estima social.”

Nós vivemos sob o efeito das novas tecnologias, do mundo midiático, dos avanços na área da informação e da diversão. Hoje a ultima palavra está no televisor com “tela plana”, na imagem em três dimensões, no site da ultima geração, no Twitter, Orkut, no celular com acesso a internet... e outras tantas invenções.

Como se vê, o desafio e as possibilidades para são imensos! É preciso, entretanto, passar de uma atitude de expectador para protagonista; ou seja, é preciso passar da atitude de quem apenas assiste para a atitude do que participa e usa dos novos recursos para a evangelização!

Na noite do último dia 17, no encontro com a Pascom da Região Episcopal Brasilândia refletimos sobre isso: o avanço do mundo midiático e a dificuldade que temos em nos “conectar” com este mundo para fazer ressoar o anúncio de Cristo e a palavra da Igreja! A título de exemplo, seria bom verificarmos quantas paróquias da Região tem um site, um blog, e se as secretárias têm a possibilidade de usar a Internet para facilitar a comunicação entre paróquias ou mesmo entre os grupos da paróquia.

Alguns dados nos surpreendem! O site da Região Episcopal Brasilandia tem mensalmente 12.000 visitantes. O Blog da Paróquia de Santa Teresinha na Vila Terezinha (Setor Cântaros), criado em setembro de 2010, já teve 950 visitantes; o Blog da Paróquia Santa Cruz de Itaberaba, criado em junho de 2010, alcançou até estes dias 1766 visitantes. E o Blog da Pascom Brasilândia tem 200 acessos mensais.

Creio que os números estão a nos dizer que estamos diante de uma realidade que não podemos ignorar, se queremos avançar no anúncio do Evangelho!

Mas não basta um computador de ultima geração na secretaria paroquial para estar tranqüilo diante do desafio! Não! É preciso ter um coração grande e uma mente aberta para a partir deste imenso horizonte mudar nossas posturas e atitudes.

Hoje, mais do que nunca, precisamos nos servir dos maravilhosos recursos que a mídia nos oferece para fortalecermos a comunhão entre nós, a troca de experiências, a colaboração mútua, a ajuda fraterna, e a correção evangélica também. Será preciso superar a tentação da competição e estabelecer a cultura da comunhão. Como seria bonito se paróquias e comunidades se articulassem como uma “rede social”, permitindo a comunicação rápida de informações, facilitando aos que nos procuram a resposta eficaz às suas necessidades, criando a cultura da ajuda mútua veloz e eficaz!

Neste ano, estamos aproveitando deste espaço para levar a “palavra do Bispo” às paróquias e comunidades, utilizando dos recursos que a mídia nos oferece. E alguns resultados já começam a aparecer e a nos estimular!

O ultimo texto tinha como título “A Catequese vem aí!”. Um dos padres da região tomou o texto e serviu-se dele para animar o grupo de catequistas de sua paróquia, chamando a atenção para alguns elementos que apresentei, a partir do Documento de Aparecida. Não bastou para eles ler o texto, mas inclusive afixaram-no nos murais das comunidades permitindo que o maior número de pessoas pudesse lê-lo e compreender melhor o que a catequese representa na vida da comunidade!

Confesso que eu pessoalmente gostaria que a Pascom regional tivesse livre trânsito nas comunidades, paróquias, grupos e movimentos da nossa Região, orientando as comunidades a começar ou aperfeiçoar o uso dos meios de comunicação midiáticos para fazer ecoar por todos os cantos da Região o Evangelho!

Nos novos areópagos, não podemos deixar que falte o anúncio de Cristo e o testemunho das comunidades! No que está ao nosso alcance, não deixemos de fazê-lo!


+ Milton Kenan Júnior
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo
Vigário Episcopal da Região Brasilândia






OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 03

A CATEQUESE VEM AÍ
por dom Milton Kenan Junior




A cada ano, no mês de fevereiro, ressurge a preocupação dos pais e expectativa das crianças e jovens, com o reinício do ano letivo; e, por conseqüência, com o retorno às aulas nas escolas públicas e particulares.

Também em nossas paróquias e muitas de nossas comunidades abrem-se as inscrições para a catequese infantil e de adolescentes, intimamente ligadas à preparação para os sacramentos da confirmação e da eucaristia. São milhares de crianças e jovens que se dirigem às nossas comunidades na esperança de poderem ingressar num dos grupos de catequese. E junto delas estão inúmeras famílias que desejam transmitir aos seus filhos a fé que um dia os próprios pais receberam.

Creio que este é um momento oportuno para pensarmos na formação catequética que oferecemos em nossas comunidades. Imagino que neste período os grupos de catequistas de nossas paróquias e comunidades se esforçam por planejar os encontros e atividades e reelaborar os conteúdos e programas do ano que se inicia.

Se não o fazem, aqui vai uma primeira dica: planejar! O êxito de nossa ação pastoral parte sempre da capacidade de planejar, ou seja, estabelecer objetivos, metas, programas e atividades que envolvam todos: famílias, crianças, jovens, catequistas, padre e comunidades.

Considerando a importância desse tema, eu chamaria a atenção para dois parágrafos do Documento de Aparecida que afirmam que “a catequese não deve ser só ocasional, reduzida a momentos prévios aos sacramentos ou à iniciação cristã, mas sim itinerário catequético permanente.” (n°298); e, “a catequese não pode se limitar a uma formação meramente doutrinal, mas precisa ser uma verdadeira escola de formação integral. Portanto, é necessário cultivar a amizade com Cristo na oração, o apreço pela celebração litúrgica, a experiência comunitária, o compromisso apostólico mediante um permanente serviço aos demais.” (n°299).

No momento de planejar nossa ação catequética será importante perguntar-nos se os encontros catequéticos são realmente um encontro com Jesus Cristo, anunciado por autênticas testemunhas, capazes de despertar nos catequizandos o desejo e a alegria de participar da vida da comunidade, envolvendo nesse processo os pais, primeiros e legítimos catequistas dos seus filhos, de forma que a formação na fé permeie toda a vida a ponto de tornar fé e vida inseparáveis.

Quero expressar meu apreço pelo trabalho dos catequistas e seus colaboradores! Estimulo a todos os catequistas a participarem dos encontros de formação promovidos em nossa Região, seja na ECAT (Escola de Catequese), ITEBRA (Instituto Teológico Brasilândia) ou ETEP (Escola de Teologia e Pastoral).

Desejo a todos os catequizandos e aos seus familiares um verdadeiro encontro com Jesus Cristo neste ano, em cada encontro catequético!

Que Deus nosso Pai nos abençoe a todos!

+ Milton Kenan Júnior
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo
Vigário Episcopal da Região Brasilândia








OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 02
HÁ UM ANO...
Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo
Vigário Episcopal da Região Brasilândia

Há um ano, no 25 de janeiro próximo, eu chegava à desconhecida e desafiadora cidade de São Paulo para tomar posse do meu ofício de Bispo Auxiliar de S. Paulo. Um dia de muitas recordações e emoções para mim!
Voltando o olhar para este primeiro ano, como Bispo Auxiliar de S. Paulo, reconheço a graça inestimável, que Deus na sua bondade me confiou ao chamar-me, por intermédio do Santo Padre o Papa Bento XVI, para o ministério episcopal, nesta Igreja histórica e de tamanha grandeza como é a Arquidiocese de S. Paulo.
Poder conviver, tão de perto, com o cardeal Dom Odilo P. Scherer, nosso Arcebispo e com os Bispos Auxiliares, cujo testemunho de total dedicação no cuidado do Povo de Deus além de ser para mim uma grande lição é também um forte estímulo a procurar corresponder da melhor maneira a missão que me foi confiada!
Graça também tem sido a convivência com Dom Angélico Sândalo Bernardino, Bispo Emérito de Blumenau, que reside aqui em São Paulo, onde trabalhou por longos anos, que sempre me acolhe e trata como irmão mais experiente.
Para mim, a convivência com o presbitério, religiosos, religiosas e agentes de pastoral da Região Episcopal Brasilândia; e com os membros do Secretariado Arquidiocesano de Pastoral, do Fórum das Pastorais Sociais e do Mundo do Trabalho tem sido um grande aprendizado. O comprometimento de muitos deles com o povo sofrido das nossas comunidades, a presença solidária e profética junto às comunidades da periferia da grande cidade, a persistência diante dos desafios e obstáculos que a realidade urbana apresenta a busca constante por traduzir os valores do Evangelho na lida de cada dia, são uma grande lição para mim!
Ao voltar o olhar para este primeiro ano de episcopado dou-me conta do quanto ainda preciso aprender! A vida é sempre um aprendizado, não é mesmo? Não foram poucas as falhas de minha parte. As palavras de Jesus: “Àquele a quem muito se deu, muito será pedido, e a quem muito se houver confiado, mais será reclamado.” (Lc 12,48), fazem-me pensar e me dar conta da gravidade da responsabilidade a mim confiada. Mas me conforta saber que não estou só, são muitos os irmãos e amigos nesta caminhada!
O ano de 2010 foi um ano precioso para todos nós da Arquidiocese de S. Paulo! Foi o ano do Congresso dos Leigos que envolveu e dinamizou tantas comunidades e grupos de nossa Arquidiocese! Os projetos elaborados que agora deverão ser implementados e realizados, a mim também enchem de esperança! Oxalá, impulsionados pelos muitos leigos e leigas, possamos deslanchar ainda mais numa ação evangelizadora inculturada, despertando todos para a coresponsabilidade e o estado permanente de missão, tão queridos e estimulados pela Conferencia de Aparecida!
O ano de 2011 também vem carregado de esperanças para todos nós! Prosseguindo na caminhada feita nestes últimos anos, no espírito do 10° Plano de Pastoral, agora será a vez de voltar o olhar para as paróquias, reconhecendo nelas o primeiro lugar do encontro com a Pessoa de Jesus e da inserção na vida da Igreja!
Fazem-me pensar as palavras de Jesus aos discípulos: “Erguei vossos olhos e vede os campos: estão brancos para a colheita. Já o ceifeiro recebe seu salário e recolhe fruto para a vida eterna, para que o semeador se alegre juntamente com o ceifeiro. Aqui, pois, se verifica o provérbio: um é o que semeia, outro o que ceifa. Eu vos enviei a ceifar onde não trabalhastes; outros trabalharam e vós entrastes no trabalho deles.” (Jo 4, 35b-38)
Lançando o olhar para a grande Igreja de S. Paulo vejo que é tempo de dedicar-nos à colheita, sabendo que colhemos o que não plantamos e o que plantamos outros colherão; lembrando ainda as palavras de S. Paulo aos Coríntios: “Assim, pois, aquele que planta, nada é; aquele que rega, nada é. Mas importa somente Deus, que dá o crescimento.” (1Cor 3,7)
Juntos, na seara do Senhor, sinto que o apelo é de nos dedicar sempre mais por fazer germinar as sementes por nós lançadas, e ao recolher os frutos produzidos não nos esquecermos daqueles que os semearam; mas, acima de tudo, lembrar-nos que somente Deus é que dá o crescimento!
A todos os que durante este ano foram companheiros e amigos, irmãos e irmãs de caminhada, meu muito obrigado e o desejo de que possamos crescer sempre mais na fraternidade!






Tempo de Esperança
Por Dom Milton Kenan Junior, bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo e vigário episcopal da Região Brasilândia

A cada ano, a liturgia da Igreja nos permite renovar a esperança. Concluindo um ano litúrgico, recomeçamos celebrando o tempo do Advento, que nos fala da vinda, da proximidade, da chegada do Senhor, Salvador da humanidade!
As quatro semanas que antecedem a celebração do Natal, tempo litúrgico do Advento, dão o sentido para todo o ano que se inicia; nos levam a renovar e comprometer-se com a Esperança.
Ao olharmos para a gruta de Belém - contemplando o Menino que não encontrou um lugar na hospedaria da cidade, mas nasceu entre as palhas, aquecido pelo hálito dos animais, cujas palavras e gestos reavivam as esperanças dos pequenos e humildes - somos levados a renovar nossa esperança na vitória do bem, no triunfo da justiça e da verdade.
Nossas comunidades na sua simplicidade e singeleza são um testemunho constante de esperança que resiste ao fatalismo e à acomodação, que supera o medo e o desânimo, que sustenta a coragem e a alegria.
As celebrações do sacramento da Crisma em nossas comunidades, que reúnem centenas de jovens, os encontros da Novena do Natal, que congregam famílias, as assembléias paroquiais, que conclamam nosso povo ao compromisso evangelizador e a participação comunitária são uma mostra da esperança que não é só sonho, mas torna-se realidade.
Prossigamos nosso caminho sustentado pela esperança! Só ela nos permite caminhar! Que nossa preparação para o Natal do Senhor e o Ano litúrgico que iniciamos neste Primeiro Domingo do Advento sejam marcados por uma viva esperança!